a culpa não é do Martim



Antes de mais, parabéns completamente livres de sarcasmo ao Martim que lançou a Over It e segundo o que se conta está a ter sucesso. A sério, teve uma ideia, pediu à Maudlin Merchandise que fizesse o produto, os pais forneceram o capital para pagar, tinha amigos que o ajudaram a comprar e divulgar e tem os justos frutos do seu esforço.

Estamos entendidos em relação à minha intenção não ser mandar abaixo o rapaz?

Então, parece que esta conversa presente no vídeo aconteceu ontem no programa Prós e Contras e hoje explodiu na blogosfera e nas redes sociais cá em Portugal. Antes de mais o que aqui acontece é um típico clipping que corta a conversa no ponto em que dá jeito aos objectivos de quem o fez. Acho que quem quer ter uma visão justa deste assunto devia ver pelo menos o início e o fim desta intervenção (http://www.rtp.pt/play/p1099/e117833/pros-e-contras).

Ao que parece se entendermos o vídeo como o seu "produtor" quer que interpretemos, a Raquel Varela, autora do livro Quem Paga o Estado Social em Portugal?, decidiu deitar abaixo o jovem empreendedor de 16 anos Martim e este tal David desferiu um golpe de misericórdia no Golias académico e é aplaudido pela plateia jubilante.

O que acontece é que por muito despropositada e eventualmente rude que seja a interrupção, porque de facto as t-shirts de que estamos a falar são produzidas em Portugal e dando de barato que não é responsabilidade do Martim, os salários que a empresa que lhe presta os serviços paga aos seus trabalhadores (apesar deste lavar de mãos não ser muito ético), a resposta que ele dá só é desculpável num rapaz de 16 anos, que ainda não tem o espírito crítico para desmontar uma ideia propagandista, que nos está a ser vendida há vários anos. Se o Martim fosse mais velho dizia que era uma resposta imbecil e bacoca, nestas circunstâncias limito-me a dizer que os aplausos à resposta não foram merecidos, nem reflectidos.

Qualquer pessoa que tenha lido ou discutido sobre a psicologia de massas, sabe que aqueles aplausos não se deveram à genialidade da resposta, mas sim um misto do ódio nacional a tudo o que é licenciado, mestrado, doutorado e pós-doutorado (o "cisma académico" que explica o porquê de tantos jovens licenciados estarem no desemprego actualmente), da nossa tendência para a defesa da parte que nos parece mais fraca e de uma tendência para a imitação inconsciente de dinâmicas de grupo (acredito que naquele público estejam pessoas que realmente acreditam na ideia e que a queiram impingir aos outros).

Pelo menos é nisso que quero acreditar, porque não quero pensar que os meus compatriotas, estejam convencidos que é melhor salário mínimo que desemprego, pelo menos do ponto de vista social. A não ser que nunca tenham ganho o salário mínimo e tentado sobreviver com o mesmo, ou que acreditem que temos futuro se a esmagadora maioria da população não tiver capacidade de consumo, ou mesmo, de subsistência básica. Ou então muitas pessoas ainda não perceberam que o verdadeiro objectivo do "é melhor que nada", que é impor a resignação às pessoas de forma a que elas não sintam a necessidade de lutar, contra um modelo anti-social que lhes estão a querer impor.

Aliás, isto e o "antes falsos recibos verdes que o desemprego" (que ainda é pior que ao menos o salário mínimo dá alguns direitos como o subsídio de desemprego, a baixa por doença, etc...), são ideias que me fazem sempre pensar que a próximas máximas serão, "antes trabalhar de graça que o desemprego" e mais à frente, caso o percurso não seja interrompido, "antes pão e tecto que o desemprego", ideia praticada durante milénios sob a nomenclatura de escravatura, ou o regresso do "antes pagar para trabalhar que o desemprego", que durante a idade média conhecíamos como feudalismo.

Escrito isto, gostava que considerassem se devemos continuar a bater palmas...

proteger o que é bom?


A Tetra Pak faz 50 anos e quer marcar a data e a sua agência de comunicação Pepper sugere que se faça um concurso publicitário para desenhar uma embalagem comemorativa. E o vencedor do concurso terá um prémio como é costume...

Até aqui a história parece igual a tantas outras mas ao lermos o regulamento qual não é o nosso espanto ao verificarmos que o prémio é um "estágio no valor total de 750€", ou seja, o prémio por um trabalho é a "oportunidade de aprender a trabalhar", com as despesas de trasnportes e alimentação pagas.

Obviamente, numa altura em que o mercado de trabalho na área do design é assolado pelos estágios não remunerados feitos uns a seguir aos outros, ou com sorte pelos "full-times a falsos recibos verdes" com direito a horas extraordinárias e fins-de-semana no escritório, este "prémio" causou imediatamente uma gigantesca onda de indignação no Facebook. Não porque seja a primeira empresa a fazer uma proposta destas mas pela dimensão da empresa em questão.

A Tetra Pak como muitos saberão e a própria lembr na página do concurso e nos press releases divulgados pelos media, é uma multinacional de origem sueca com 50 anos no mercado global. Não é uma empresa qualquer, não é uma PME que apresenta prejuízos no IRC ao final do ano e por isso faz o que pode para se manter em actividade.

No entanto, seguindo um mau conselho da sua agência de comunicação, que quer recutar mais um estagiário não remunerado para trabalhar, decide que é boa ideia fazer este concurso e dar uma "bolsa de estágio" a uma pessoa maior de 18 anos e residente em território nacional que até "faça umas cenas de design" e que após selecção de jurí seria escolhida pelo número de "amigos" que conseguir angariar para votar na sua proposta na página do Facebook Protege o que é Bom.

Após a percepção do buzz negativo que esta proposta gerou ainda existiram tentativas de minimizar os danos.

Afinal o design pedido não era para uma embalagem comemorativa dos 50 anos a ser produzida! Tratava-se apenas e só de uma imagem para ser usada no Facebook, ao contrário do que os media tinham divulgado através do press release (como podem ler no site do Imagens de Marca) explicitavam. Então para que é que o concorrente precisava de enviar artes finais em qualidade de produção (imagens em 300 dpi's em formato A4 do projecto)?

Surgem depois justificações dizendo que o prémio era independente do estágio, ou seja, só aceitava o estágio quem queria! Assim 750€ para uma imagem de Facebook já era um senhor prémio e já daria compensação mais que suficiente, não fosse essa afirmação uma mentira, como novamente o contéudo das notícias prova, mas que a própria imagem entregue aos media (que acima reproduzo) que desmente claramente pois nela se lê "habilita-te a ganhar um estágio de 750€".

Finalmente, hoje perto da hora do almoço, veio a notícia na página da Tetra Pak, que tinham decidido cancelar o concurso temporariamente para "rever as suas bases e clarificar os seus objectivos".

Todo este caso, igual a tantos outros "escândalos" que rebentaram nas redes sociais em Portugal nos últimos tempos, deve servir de case study para os departamentos de Marketing das empresas portuguesas ou filiais nacionais.

Primeiro que tudo para um valor que os marketeers portugueses descuram, Brand Respectability, ou seja, a reputação da marca e os efeitos que a mesma tem nos consumidores. A reputação de uma empresa/marca depende não só da qualidade do produto ou serviço, da comunicação pré e pós-venda, mas também da responsabilidade social e ambiental que a mesma pratica (ou não), ou seja, da ética da marca.

Neste caso, as decisões e inconsequência da agência de comunicação e dos responsáveis de marketing da Tetra Pak em Portugal, colocaram em causa a reputação de uma marca mundial e quintagenária. Até certo ponto, ao contrário de outros casos semelhantes em que o buzz negativo não provocou reacções de monta, provavelmente é a escala da marca que leva à retirada do concurso. Não seria uma especulação impensável, suspeitar de uma intervenção da "empresa-mãe" após alguma denúncia, sobre a polémica que se estava a instalar.


Falo de ética e reputação, pois de facto os estágios até 3 meses não são legalmente, obrigados remunerados, apesar de na prática os mesmos não serem tão livres como as empresas nacionais acham e obrigarem na mesma a assinatura de um contrato e a respeitarem várias normas legais (podem consultar o decreto-lei em
http://juventude.gov.pt/
Eventos/EmpregoEmpreendedorismo/Documents/decreto-lei_66_2011.pdf).

Mas ser legal não equivale a ser ético e a oportunidade de trabalhar de graça nunca pode ser eticamente considerada um prémio, quando muito é um nada melhor que pagar para trabalhar, que é o que realmente acontece num estágio não remunerado, pois o estagiário tem de pagar transportes e alimentação para estar no estágio.

Retira-se também deste caso, mais uma vez, o poder das redes sociais que ao darem voz ao índividuo, mostram mais uma vez que as empresas (especialmente aquelas que dependem do sacrosanto consumidor) devem ter muito cuidado com as consequências que pequenas decisões de poupança, à custa dos direitos laborais dos seus colaboradores e da negação da responsabilidade social, podem ter em termos da sua reputação e em última instância, nos seus lucros futuros.

PS: Numa análise mais umbiguista mostra-nos a nós, criativos das mais variadas espécies, que a união de esforços e a pressão que podemos exercer quando unidos, são a melhor forma que temos para lutar contra a exploração e as injustiças, que defrontamos no mercado. Só unidos conseguimos, pôr alguma ordem nesta selva dos estágios, falsos recibos verdes e honorários de miséria e com isso saímos todos a ganhar, os que já estão no mercado e os que estão ainda a tentar furar.

São de louvar esforços sem ganho como o do site Ganhem Vergonha, que denuncia ofertas de emprego ilegais e sem ética.

aventuras do apoio jurídico II


Para quem me conhece e me vai seguindo nos últimos anos saberão que já no passado escrevi sobre um processo no Tribunal de Trabalho para reclamar de quase 2 meses de trabalho que era para ser remunerado e acabou por não ser (processo que entretanto foi ganho mas por a empresa estar em nome da filha do verdadeiro dono ainda não houve pagamento do valor definido pelo tribunal).

Talvez se lembrem que na altura ao pedir apoio jurídico à Segurança Social, a primeira resposta que tive foi um pedido de uma declaração de honra em como não tinha bens nem capacidades que também transcrevi aqui, pelo ridículo que me pareceu.

Infelizmente passado pouco mais de um ano do fim desse processo vejo-me obrigado a entrar com um novo processo, desta vez noutra vara jurídica pois trata-se de uma dívida de honorários por serviços prestados a uma empresa com quem trabalhei mais de 2 anos. O meu objectivo desta vez é que a empresa se sinta pressionada a pagar aquilo que deve amigavelmente, e de facto já me pagaram uma parcela da dívida, tendo no entanto já falhado no cumprimento do prometido e mais uma vez me deixado sem resposta aos novos contactos.

Assim, após apresentação do pedido de apoio jurídico recebi mais uma pérola desta vez com a seguinte indagação a que teria de dar resposta: “explicitar como faz face às despesas diárias e qual o valor de rendimento do agregado familiar”.

Fica em baixo a minha resposta que penso que merece ser partilhada para servir de exemplo, acrescentando que após o envio da mesma já tenho reunião marcada com a advogada oficiosa que a Ordem me designou, de forma a dar andamento ao processo.

"Lisboa,

25 de Março de 2013

Exma. (omitido),

Escrevo-lhe no seguimento do pedido de esclarecimentos adicionais relativo ao pedido de proteção jurídica por mim apresentado e referenciado com o nº (omitido), de forma a clarificar “como faço face às despesas diárias e qual o valor de rendimento do agregado familiar”.

De facto a indagação é bastante pertinente mas infelizmente é uma questão com a qual acabo por me debater recorrentemente desde que iniciei a minha vida activa.

Como poderá verificar pelo requerimento, encontro-me desempregado e caso confira os meus dados da Segurança Social, não tenho, nunca tive e não vislumbro ter no curto/médio prazo, qualquer subsídio por parte da Segurança Social, seja de desemprego, Rendimento Social de Inserção ou outro, apesar de ter sempre contribuído de acordo com o estabelecido pelos diferentes Códigos Contributivos dos últimos anos.

Tendo isto em conta, a resposta para esta indagação é a mais simples de todas. Faço face às despesas diárias através da eliminação quase total de qualquer tipo de despesa diária. Como povo costuma dizer “quem não tem dinheiro, não têm vícios”, apanágio pelo qual me tenho guiado desde que me conheço enquanto indivíduo.

Às despesas, que são inevitáveis pelo simples facto de existir numa sociedade em que até os bens mais essenciais de todos, como a alimentação e a hidratação, são alvo de exploração económica, faço face às poucas despesas que tenho utilizando o pouco dinheiro que consegui poupar do meu último trabalho por conta de outrem, que infelizmente foi remunerado e tratado legalmente como se de trabalho independente se tivesse tratado, tendo a empresa fugido aos trâmites legais previsto no Código do Trabalho e às contribuições à Segurança Social previstas no Código Contributivo.

A questão do agregado familiar, é também facilmente respondida pela consulta dos meus dados na Segurança Social. Como poderá verificar há mais de meia década que abandonei o agregado familiar dos meus progenitores e não consegui pela falta de possibilidade económica, constituir o meu próprio agregado familiar, apesar do meu desejo nesse sentido. Mais informo que não resido em casa dos meus pais, caso indagasse sobre uma eventual obrigação não prevista legalmente, de ser ajudado pelos mesmos.

Aliás o meu próprio pai foi obrigado a emigrar, devido a ter caído no desemprego, depois de anos de trabalho esforçado, muitas vezes em detrimento da vida familiar (o que em última consequência contribuiu para a sua separação da minha mãe), ter sido dispensado pela empresa, que provavelmente terá achado mais atractivo, contratar 2 ou 3 estagiários gratuitos ou trabalhadores a falsos recibos verdes, como se tem tornado prática no nosso país.

No entanto, como presumo que essa questão tem como intuito saber onde e com quem vivo, posso acrescentar-lhe que tenho tecto sobre a minha cabeça graças à solidariedade da família da minha companheira, que me deixa viver em casa da família sem retribuição monetária. De notar que apesar da utilização do termo companheira, não tenho qualquer ligação legalmente válida com a mesma, tendo em conta que não temos ainda o direito a pedir união de facto, com os direitos e deveres legais e os benefícios fiscais que a mesma acarreta.

Depois desta exposição da minha vida privada (que poderia considerar abusiva mas que por ser um cidadão cumpridor e orgulhar-me de viver uma vida transparente e ética, pouco me incomoda), que espero ter sido esclarecedora, apraz-me esclarecer que este pedido de Apoio Jurídico está intrinsecamente ligado com a necessidade de “fazer face às despesas diárias”, passando a explicar melhor esta ironia suplementar.

Acontece esta necessidade de intervenção por parte da justiça, decorrer do facto de um cliente para o qual trabalhei no passado ano como prestador de serviços, estar há vários meses e mesmo após todas as tentativas de resolução amigável, a dever-me honorários relativos a serviços prestados. Desta forma como pode perceber, o meu pedido de Apoio Jurídico justifica-se como forma limite de ser ressarcido por esses serviços, de forma a poder “fazer face às despesas diárias”, até encontrar um novo trabalho quer como trabalhador independente, por conta de outrem ou, como é infelizmente o mais provável, como falso trabalhador independente, numa qualquer empresa sem respeito pelas leis e sem ética.

Penso ser de valorizar o facto de em detrimento de pedir apoio da Segurança Social, vulgo Rendimento Social de Inserção, ao qual teria direito legal e ético, pedir em alternativa, o cumprimento do meu direito constitucional de Acesso ao Direito, patente nos pontos 1 e 2 do Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, e reforçado pela Lei de Protecção Jurídica, que inclusive é citada no pedido de esclarecimento ao qual esta carta pretende satisfazer.


Com os meus melhores cumprimentos,
Tiago Miguel dos Santos Almeida"