aventuras do apoio jurídico II


Para quem me conhece e me vai seguindo nos últimos anos saberão que já no passado escrevi sobre um processo no Tribunal de Trabalho para reclamar de quase 2 meses de trabalho que era para ser remunerado e acabou por não ser (processo que entretanto foi ganho mas por a empresa estar em nome da filha do verdadeiro dono ainda não houve pagamento do valor definido pelo tribunal).

Talvez se lembrem que na altura ao pedir apoio jurídico à Segurança Social, a primeira resposta que tive foi um pedido de uma declaração de honra em como não tinha bens nem capacidades que também transcrevi aqui, pelo ridículo que me pareceu.

Infelizmente passado pouco mais de um ano do fim desse processo vejo-me obrigado a entrar com um novo processo, desta vez noutra vara jurídica pois trata-se de uma dívida de honorários por serviços prestados a uma empresa com quem trabalhei mais de 2 anos. O meu objectivo desta vez é que a empresa se sinta pressionada a pagar aquilo que deve amigavelmente, e de facto já me pagaram uma parcela da dívida, tendo no entanto já falhado no cumprimento do prometido e mais uma vez me deixado sem resposta aos novos contactos.

Assim, após apresentação do pedido de apoio jurídico recebi mais uma pérola desta vez com a seguinte indagação a que teria de dar resposta: “explicitar como faz face às despesas diárias e qual o valor de rendimento do agregado familiar”.

Fica em baixo a minha resposta que penso que merece ser partilhada para servir de exemplo, acrescentando que após o envio da mesma já tenho reunião marcada com a advogada oficiosa que a Ordem me designou, de forma a dar andamento ao processo.

"Lisboa,

25 de Março de 2013

Exma. (omitido),

Escrevo-lhe no seguimento do pedido de esclarecimentos adicionais relativo ao pedido de proteção jurídica por mim apresentado e referenciado com o nº (omitido), de forma a clarificar “como faço face às despesas diárias e qual o valor de rendimento do agregado familiar”.

De facto a indagação é bastante pertinente mas infelizmente é uma questão com a qual acabo por me debater recorrentemente desde que iniciei a minha vida activa.

Como poderá verificar pelo requerimento, encontro-me desempregado e caso confira os meus dados da Segurança Social, não tenho, nunca tive e não vislumbro ter no curto/médio prazo, qualquer subsídio por parte da Segurança Social, seja de desemprego, Rendimento Social de Inserção ou outro, apesar de ter sempre contribuído de acordo com o estabelecido pelos diferentes Códigos Contributivos dos últimos anos.

Tendo isto em conta, a resposta para esta indagação é a mais simples de todas. Faço face às despesas diárias através da eliminação quase total de qualquer tipo de despesa diária. Como povo costuma dizer “quem não tem dinheiro, não têm vícios”, apanágio pelo qual me tenho guiado desde que me conheço enquanto indivíduo.

Às despesas, que são inevitáveis pelo simples facto de existir numa sociedade em que até os bens mais essenciais de todos, como a alimentação e a hidratação, são alvo de exploração económica, faço face às poucas despesas que tenho utilizando o pouco dinheiro que consegui poupar do meu último trabalho por conta de outrem, que infelizmente foi remunerado e tratado legalmente como se de trabalho independente se tivesse tratado, tendo a empresa fugido aos trâmites legais previsto no Código do Trabalho e às contribuições à Segurança Social previstas no Código Contributivo.

A questão do agregado familiar, é também facilmente respondida pela consulta dos meus dados na Segurança Social. Como poderá verificar há mais de meia década que abandonei o agregado familiar dos meus progenitores e não consegui pela falta de possibilidade económica, constituir o meu próprio agregado familiar, apesar do meu desejo nesse sentido. Mais informo que não resido em casa dos meus pais, caso indagasse sobre uma eventual obrigação não prevista legalmente, de ser ajudado pelos mesmos.

Aliás o meu próprio pai foi obrigado a emigrar, devido a ter caído no desemprego, depois de anos de trabalho esforçado, muitas vezes em detrimento da vida familiar (o que em última consequência contribuiu para a sua separação da minha mãe), ter sido dispensado pela empresa, que provavelmente terá achado mais atractivo, contratar 2 ou 3 estagiários gratuitos ou trabalhadores a falsos recibos verdes, como se tem tornado prática no nosso país.

No entanto, como presumo que essa questão tem como intuito saber onde e com quem vivo, posso acrescentar-lhe que tenho tecto sobre a minha cabeça graças à solidariedade da família da minha companheira, que me deixa viver em casa da família sem retribuição monetária. De notar que apesar da utilização do termo companheira, não tenho qualquer ligação legalmente válida com a mesma, tendo em conta que não temos ainda o direito a pedir união de facto, com os direitos e deveres legais e os benefícios fiscais que a mesma acarreta.

Depois desta exposição da minha vida privada (que poderia considerar abusiva mas que por ser um cidadão cumpridor e orgulhar-me de viver uma vida transparente e ética, pouco me incomoda), que espero ter sido esclarecedora, apraz-me esclarecer que este pedido de Apoio Jurídico está intrinsecamente ligado com a necessidade de “fazer face às despesas diárias”, passando a explicar melhor esta ironia suplementar.

Acontece esta necessidade de intervenção por parte da justiça, decorrer do facto de um cliente para o qual trabalhei no passado ano como prestador de serviços, estar há vários meses e mesmo após todas as tentativas de resolução amigável, a dever-me honorários relativos a serviços prestados. Desta forma como pode perceber, o meu pedido de Apoio Jurídico justifica-se como forma limite de ser ressarcido por esses serviços, de forma a poder “fazer face às despesas diárias”, até encontrar um novo trabalho quer como trabalhador independente, por conta de outrem ou, como é infelizmente o mais provável, como falso trabalhador independente, numa qualquer empresa sem respeito pelas leis e sem ética.

Penso ser de valorizar o facto de em detrimento de pedir apoio da Segurança Social, vulgo Rendimento Social de Inserção, ao qual teria direito legal e ético, pedir em alternativa, o cumprimento do meu direito constitucional de Acesso ao Direito, patente nos pontos 1 e 2 do Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, e reforçado pela Lei de Protecção Jurídica, que inclusive é citada no pedido de esclarecimento ao qual esta carta pretende satisfazer.


Com os meus melhores cumprimentos,
Tiago Miguel dos Santos Almeida"