alfabetos
A maior parte dos alunos de um curso de design em Portugal, terão mais tarde ou mais cedo no percurso académico, ouvido falar de Paulo Heitlinger, autor dos Cadernos de Tipografia, praticamente uma das únicas publicações nacionais sobre Tipografia e ainda por cima disponível gratuitamente para download e impressão.
Alfabetos, é o segundo livro comercial do autor sobre a temática, numa continuação e aprofundamento de Tipografia: Origens, Formas e Usos das Letras, desta vez abordando também a Caligrafia, na sua história e técnica.
Fazendo uso do pleonasmo típico, o livro começa por aquilo que terá sido um dos princípios, da história da comunicação "codificada", com várias páginas dedicadas às placas de xisto, produzidas durante o período neolítico em território nacional, expondo a teoria da arqueóloga americana Katina Lillios, que ao catalogar milhares destas placas, concluiu que estas muito provavelmente seriam "bilhetes de identidade" para os mortos sepultados nos monumentos funerários megalíticos.
Segue mostrando os vários exemplos dos primeiros alfabetos, debruçando-se sobre a pouco conhecida (mesmo nos meios académicos) Escrita do Sudoeste, utilizada na Península Ibérica ente VII e V a.C. de inspirações fenícias. Explica como os alfabetos romanos influenciaram e continuam a influenciar grandemente a linguagem tipográfica, e constituem uma grande influência na tipografia na altura da invenção e disseminação da imprensa.
Outro ponto alto do livro é o estudo (possível) da tipografia e caligrafia em Portugal e Espanha em várias épocas, como a Cantoneiros ou a Bastarda de Lucas, ou do estudo da sinalética e da tipografia escolar que resultaram na fonte Sinalética e na Letra Escolar.
Seria possível escrever muito mais, mesmo num estilo muito resumido sobre esta quase enciclopédia de 783 páginas, e que ainda assim acaba por não tratar de tudo o que poderia abordar, nem de tudo aquilo que o autor poderia escrever, mas não deixa de ser uma obra que pela ausência de concorrência à altura, no nosso panorama editorial, e por mérito próprio, se torna obrigatória para quem quer ou precisa de saber mais sobre o tema.
Não deixa contundo de ter aspectos negativos e seria errado da minha parte não o frisar. O autor acaba por em várias alturas, acusar um dos maiores problema dos meios académicos portugueses (apesar de ser um autodidacta nesta temática visto que se formou em Física Nuclear), que é a grande confusão entre o juízo de gosto e o juízo de valor, ou em português mais básico entre opinião pessoal e opinião fundamentada (hei de confirmar se já escrevi aqui sobre estes dois tipos de juízo).
Isto torna-se muito patente no capítulo organizado com base na pergunta/resposta, "Para que serve a Helvetica?" ao que o autor responde "para nada". O autor confunde uma opinião baseada no gosto pessoal e num certo empirismo teórico, fundamentada noutras opiniões concordantes, para afirmar que a Helvetica é uma má fonte, pouco legível e sem personalidade e pretende afirmar que quem escolhe esta fonte ou é preguiçoso ou mau profissional...
Isto é um exemplo perfeito de juízo de gosto, porque podemos encontrar opinião inversa em muitos outros teóricos e profissionais da área (esses também baseadas, muitas vezes, no gosto pessoal), até imbuído de um quase adolescente, "ser do contra", por esta ser uma das fontes mais usadas na segunda metade do século XX e ainda actualmente.
É claro que a Helvetica é menos legível que uma Garamond, afinal de contas as serifadas são mais legíveis que as sem-serifa, mas isso significa que é ilegível? A legilibilidade é o cálice sagrado do design e da comunicação visual? Será assim tão inválida a tese da habituação e da familiaridade do leitor com cada estilo de fonte, que o autor refuta?
Penso que é mais coerente escolhermos a fonte conforme a mensagem, o público-alvo da mesma e até o estilo de design que queremos impor ao nosso trabalho, sem preconceitos a priori. Afinal de contas estamos a falar de uma fonte indiscutivelmente bem desenhada (se deixarmos o gosto de lado e nos lembrarmos da premissa do seu desenho) e não de uma qualquer fonte engraçada dentro dos milhares de exemplos de más fontes que polulam os catálogos.
Afinal de contas, eu também sou apaixonado por fontes cursivas em especial dentro do estilo sign painting e não é por isso que as coloco em todos os trabalhos que faço. E muito honestamente como alguém que despertou para o design com os Designer Republic não conseguirei ver na Helvetica, outra coisas que não uma fonte bonita, principalmente se for bem usada (com leadings personalizados e entrelinhas bem escolhidas).
Claro que esta discórdia, quanto ao tom opinativo de um capítulo e algumas passagens não invalida em nada este livro, nem o menoriza de forma alguma e no fim de contas é um privilégio mais que legítimo de um autor. Quem não concordar, que se chegue à frente no trabalho hercúleo de tapar o buraco negro da edição técnica/teórica sobre design e comunicação em Portugal... o Paulo tem feito mais que a sua parte!
Podem encontrá-lo aqui
http://www.bookhouse.pt/catalogo/pintura-artes-graficas_0740/alfabetos-caligrafia-e-tipografia_01010440.aspx
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