o fim da solidariedade
No início desta semana o Álvaro assinou com um cafuné de Pedro Mota Soares, um acordo com a Segurança Social, que dita que os auferintes do RSI e desempregados podem ser requisitados por câmaras, protecção civil e administração interna, para fazerem trabalho de limpeza e protecção das florestas. Isto a troco no caso dos beneficiários de RSI de um pagamento adicional de cerca de 420€ e no caso dos desempregados de uma majoração de 80€ ao seu subsídio (e quem não recebe subsídio?).
Basicamente o governo pretende matar dois coelhos de uma cajadada, pôr um lado arranjar funcionários públicos a custo reduzido (salário mínimo nacional ou menos no caso de quem receba subsídio de desemprego calculado com base no SMN) e sem ter de estabelecer qualquer vínculo laboral e por outro pôr os "parasitas, preguiçosos e indigentes" (usando as nomenclaturas liberais) a trabalhar. Se não quiserem aceitar estes trabalhos forçados então que se amanhem sem os subsídios e assim o estado poupa umas maquias...
Incrivelmente até agora não vi nenhum comentador quer de esquerda quer de direita a tecer uma opinião sobre este acordo que na minha opinião é de uma falta de ética gritante e de moralidade questionável.
Primeiro que tudo em relação aos desempregados estamos perante mais um ataque ideológico ao Estado Social, sem paralelo em qualquer país do mundo, mesmo os mais liberais e amados desta corrente neo-liberal que nos governa actualmente. O subsídio de desemprego não é uma ajuda do estado ao trabalhador, o subsídio de desemprego é um seguro social pago pelo próprio trabalhador ao longo da sua carreira contributiva à Segurança Social (dai o nome) e dai não poderem haver mais contrapartidas à sua atribuição além das regras que foram acordadas em sede do Código Contributivo.
Li em comentários ao artigo, que neste momento o dinheiro das contribuições não chegaria para cobrir as despesas da Segurança Social, o que não passa de uma mentira mal informada ou mal intencionada. Em Janeiro de 2012 o excedente da Segurança Social cifrou-se em 315 milhões de euros (o aumento esmagador do desemprego levou a uma quebra de 428 milhões de euros nesse excedente) o que significa que a Segurança Social continua e continuará a ser 100% financiada pelos trabalhadores (a não ser que a situação ainda seja mais agravada pelas políticas para lá do memorando que são apanágio deste governo). Infelizmente algumas pessoas confundem previsões de ruptura na sustentabilidade da Segurança Social a médio/longo prazo (caso nada seja feito para corrigir a situação) com a realidade do presente.
Por outro lado li quem afirmasse que as contribuições do trabalhador não pagavam nem metade dos subsídios que pode auferir. Esta é uma afirmação que demonstra acima de tudo iliteracia financeira, pois quando fazemos um seguro privado a uma casa também não pagamos em prémio o valor total da mesma. Os seguros são feitos partindo do princípio que a necessidade de reembolsos é limitada a uma percentagem pequena do total de segurados. No caso de uma casa apenas uma pequena percentagem de casas seguradas é alvo de incêndio/inundação ou outras catástrofe que requeira à seguradora o pagamento do valor segurado. Em termos de Segurança Social parte-se do principio que o desemprego é uma ocorrência limitada (não é suposto haver valores de 15% de desemprego numa economia ocidental moderna e democrática) e que a esmagadora maioria dos trabalhadores não irá accionar este seguro contribuindo assim para a cobertura dos subsídios necessários.
Assim sendo temos um governo que pretende colocar o dinheiro da Segurança Social ao serviço de funções do estado que devem ser cobertas por outros impostos. Sinceramente duvido da legalidade deste acordo no que toca aos desempregados e estou certo da imoralidade de colocar o "trabalho socialmente útil" como contrapartida a um subsídio que é direito legal e moral do trabalhador.
Já em relação aos usufruintes de RSI a questão entra mais no campo dos valores e ideais. Na minha opinião sendo um "subsídio solidário" não devem existir quaisquer contrapartidas à posteriori à sua atribuição, se a pessoa não tem rendimentos e cumpre todos os requisitos à sua atribuição então deve ter direito ao mesmo sem mais adendas ou vírgulas. A solidariedade supõe que se presta auxílio ao próximo sem esperar nada em troca, a solidariedade não é um empréstimo nem pode ter facturas escondidas.
Penso que se este governo é anti-solidário deveria acabar com o RSI e instaurar um empréstimo social, em que quem cair na desgraça e tiver de pedir ajuda ao Estado fica sujeito às regras de retribuição que o estado lhe aprouver definir. Ai sim, o beneficiário do empréstimo teria que aceitar qualquer trabalho ou forma de compensação que aceitasse no acto do seu pedido de auxílio.
Por fim, penso que a frase «os desempregados poderão recusar a proposta "caso se tratem de actividades não compatíveis com a sua capacidade física, qualificação ou experiência profissional», revela resquícios de um pensamento elitista e de diferenciação social de classes que remonta ao tempo do outro senhor. Se quisermos ser populistas podemos dizer que isto é a cláusula para que as "pessoas de bem" não sejam obrigadas a fazer desmatações e outros trabalhos pesados. Se quisermos mesmo ser excessivos podemos traçar um claro paralelo com o esclavagista que via os dentes e apalpava os músculos do escravo que ia comprar, para decidir se o comprava e para que trabalho o ia usar...
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Olá Tiago, excelente artigo. Uma opinião minha: no pós Euro-2012 e no início das férias de Verão, surgem todas as medidas pouco populares ou de carácter dúbio, porque a populaça está distraída a aproveitar o sol. Também interessante é o facto de que, quase sem excepção, este tipo de assuntos passar ao lado de quem interessa, os próprios contribuintes, que apenas se lembram das injustiças sociais quando precisam de recorrer ao Estado e se apercebem que ninguém dá nada a ninguém.
ResponderEliminarAbraço,