o contrato social



Tenho, ao longo das últimas semanas, a crescer em mim o sentimento de que a sociedade portuguesa quebrou o contrato social que assinei com esta ao nascer. Não só o meu contrato foi quebrado mas sim o de largas centenas de jovens desta geração a que tão bacocamente chamaram de "rasca", que se encontram defraudados das expectativas, com as quais foram alimentados durante toda a sua existência.

Desde petizes que nós foi dado o xaropezinho dos estudos, com frases tão comuns e matracadas nas nossas infantes orelhas, como "tens que estudar para teres um bom trabalho" ou "sem estudos não vais ser ninguém na vida". E lá fomos alguns de nós na conversa e lá tiramos as nossas médias de acesso ao ensino superior, lá concluímos as licenciaturas e somos agora dotados de "canudo" e com direito a ser chamados de "doutores" por todos os que pensam que basta uma licenciatura para esse título. E ingenuamente pensámos que todos os nossos anos de esforço (estudo nuns casos e cábulas noutros) se veriam agora traduzidos num bom trabalho (que ninguém nesta geração acredita em emprego), pago justamente e que nos desse alguma satisfação profissional e intelectual.

Mas infelizmente as gerações anteriores decidiram quebrar unilateralmente o contrato e aquilo que foi prometido não é de todo cumprido. O que têm a sociedade portuguesa para oferecer aos seus recém-licenciados? Estágios não-remunerados, ou com despesas de custo, para aqueles que podem dar-se ao luxo de trabalhar sem receber. Parece que pela lógica os jovens têm habitação grátis e são excepções ao sistema capitalista, pois não necessitam de dinheiro para viver.

E os que não conseguem estar a trabalhar sem receber porque os pais não podem ou não querem subsidiar a sua vida? Ora vão para os call-centers, para as caixas de supermercado e outros postos não-qualificados, fazer companhia a quem nem o secundário quis ou pode acabar e doam metade dos seus salários às empresas que os sub-contratam, ficando muitas vezes com menos que o salário mínimo ao fim do mês.

Há medida que os meses passam esta sensação de incumprimento, torna-se mais aguda e cada vez mais me identifico com a famosa geração dos "vencidos da vida", talvez por estar a reler as obras do Eça mas também porque tenho neste momento a idade da maioria das suas personagens principais e chega a ser caricato como mais de um século depois, o Portugal novecentista é tão semelhante ao de hoje. Mas aquilo que mais me afronta é ausência nos media portugueses, de opiniões que refiram a situação de milhares jovens portugueses que têm o futuro em stand-by e nunca ter visto nenhum sociólogo a colocar a questão na sua forma mais básica, a de um contrato social por cumprir.

Em todas as teses mas em especial na de Rousseau, a sociedade existe para que na procura do bem comum cada membro veja a sua situação pessoal melhorada nesse mesmo bem e que a revolta devia ser a resposta perante o mais leve indício de tirania deve ser a revolta social. Pessoalmente estou a ficar cansado da "conspiração grisalha", estou farto de ser rotulado pelos dois algarismos da minha idade, sem que sejam vistos currículo ou portfolio, sem que seja avaliado o meu profissionalismo pela minha experiência efectiva.

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